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O infectologista Ricardo Vasconcelos afirma que o HIV não está sob controle no Brasil hoje. “Ainda temos uma epidemia em crescimento, principalmente em grupos específicos, como por exemplo homens que fazem sexo com homens e travestis”, conta. Vasconcelos também explica que no Brasil, no final dos anos 2000, houve uma estagnação nas inovações e investimentos no combate ao HIV. “Novas drogas e combinações foram lançadas fora do país, porém não incorporadas ao programa brasileiro, que continuava usando drogas antigas. A partir de 2013, enfim inicia-se uma retomada da busca pela inovação”, explica.

 

 

Apesar disso, o Brasil foi vanguarda no atendimento dos pacientes soropositivos, sendo o primeiro país do mundo a oferecer antirretrovirais pelo sistema de saúde. Os medicamentos antirretrovirais atuam em diferentes fases do desenvolvimento do vírus dentro da célula humana hospedeira. “A meta em um paciente em tratamento correto e com boa adesão é a carga viral indetectável, o que significa que os vírus deixa completamente de de multiplicar no corpo da pessoa infectada”, afirma Ricardo. No entanto, a carga viral indetectável não significa ausência do vírus e sim a presença deste em quantidades menores, incapazes de serem reconhecidas pelas atuais técnicas laboratoriais.

 

Veja abaixo a entrevista completa que o infectologista Ricardo Vasconcelos concedeu ao VHIVA. 

O HIV não está sob controle no Brasil

Número de infectados aumentou 11% no país, enquanto diminuiu 27,5% no mundo

Como o senhor avalia as atuais políticas públicas visando ao combate do HIV no Brasil?

O Brasil por muitos anos foi vanguarda no atendimento dos pacientes infectados pelo HIV. Sendo o primeiro país do mundo a oferecer pelo sistema de saúde os antirretrovirais, mostrou para o mundo uma maneira de encarar o problema da epidemia.

 

A partir do final da primeira década do século XXI houve uma estagnação nas inovações e nos investimentos empregados no combate ao HIV. Novas drogas e combinações foram lançadas fora do país porém não incorporadas ao programa brasileiro, que continuava usando drogas antigas. A partir de 2013, enfim inicia-se uma retomada da busca pela inovação no atendimento ao paciente vivendo com HIV/SIDA, e agora estamos aguardando o início da era das co-formulações que juntam medicações antirretrovirais diferentes no mesmo comprimido.

 

O HIV está sob controle no Brasil hoje?

Não. Ainda temos uma epidemia em crescimento, principalmente em grupos específicos, como por exemplo homens que fazem sexo com homens e travestis. O aumento no número de casos verificado nos últimos anos poderia ser somente porque estamos conseguindo diagnosticar aqueles que ainda desconheciam sua soropositividade. Entretanto, temos que reconhecer que temos ainda um número grande de brasileiros se infectando por não usarem as medidas de prevenção divulgadas pelo Ministério da Saúde.

 

Como os remédios agem? Por que, em alguns casos, a carga viral chega a ficar indetectável?

Os remédios antirretrovirais agem em diferentes etapas do ciclo de vida e replicação do vírus dentro da célula humana hospedeira. Dessa maneira, a meta em um paciente em tratamento correto e com boa adesão é a carga viral indetectável, o que significa que os vírus deixa completamente de de multiplicar no corpo da pessoa infectada. Essa não é uma meta utópica, e depende exclusivamente da escolha correta do esquema antirretroviral e da boa adesão aos comprimidos.

 

Quais os principais efeitos colaterais dos medicamentos?

Todas as medicações têm um possível evento adverso. Os antirretrovirais não são diferentes. Atualmente com as drogas que temos disponíveis é possível montar um esquema com bons perfis de efeitos colaterais possíveis e com poucos comprimidos por dia. esses eventos adversos, quando ocorrem, podem ser sonolência ou alterações gastro-intestinais.

 

É possível a transmissão em casos de soropositivos que, após o tratamento, tenham suas cargas virais indetectáveis no teste?

Hoje sabemos que uma pessoa soropositiva, que está em tratamento adequado e que atingiu a meta da carga viral indetectável, transmite muito menos o seu vírus. Assim, tratar as pessoas já infectadas é uma maneira de reduzir os novos casos de infecção pelo HIV. Isso é chamado de Treatment as Prevention (TasP). Estudos estão avaliando qual é realmente o risco residual de transmissão do vírus depois de se obter a carga viral indetectável, mas já se sabe que ele é bastante pequeno.

 

Depois de quanto tempo de uma relação sexual sem proteção alguém deve fazer o teste?

A janela imunológica para os exames sorológicos e testes rápidos para HIV é de 1 mês. Esse período é o tempo que demora para podermos acreditar no resultado do exame.

 

Qual tipo de prática sexual que possui mais chances de transmitir o HIV?

Sexo anal receptivo (passivo).

 

Quais as consequências para um casal de portadores do vírus que fazem sexo desprotegido? Há algum risco?

Se os dois não estão com a carga viral indetectável existe a chance de um passar o seu vírus para o outro, o que pode ser um grande problema quando uma pessoa tem um vírus mais resistente aos antirretrovirais que o outro.

 

O senhor acredita que o preconceito contra os soropositivos aconteça por falta de informação? Que tipo de informação precisa ser veiculada para acabar com o preconceito?

O preconceito acontece porque os soropositivos são vistos como diferentes. São vistos como culpados pela doença que têm. Entretanto se pensarmos que se trata de uma doença sexualmente transmissível basta uma relação sexual desprotegida que qualquer pessoa pode se infectar. Quem no mundo nunca transou sem camisinha?

 

Se as pessoas enxergassem o HIV como um problema de todos e não apenas dos soropositivos, e se o mundo enxergasse os portadores de HIV como semelhantes, que transam como todos transam, e que por um descuido, como qualquer pessoa pode ter, se infectaram, o preconceito seria menor. Não precisa ser promíscuo para se pegar HIV.

 

Entretanto, por ser um transmissível, e ainda mais pelo sexo, existe todo um tabu em torno desse diagnóstico. Ninguém quer passar uma doença para uma pessoa que gosta. Ninguém quer pegar uma doença de um parceiro sexual. Mas as DSTs estão no mundo desde que existem seres humanos vivendo nele.

 

Assim, é com a conscientização de que o HIV deve ser preocupação para qualquer pessoa que está viva, que é possível perceber como o acolhimento aos soropositivos ajuda muito mais no controle da epidemia que o preconceito.

 

"Os soropositivos são vistos como culpados pela doença que têm"

Ricardo Vasconcelos é infectologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)

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